Nas sociedades coesas existe uma relação orgânica entre o indivíduo e a cultura, de modo que ninguém precisa ser introduzido na vida cultural ou nela “incluído” porque a cultura é vivida comunitariamente. Nas sociedades modernas, marcadas pela desigualdade, isto é, pela relação dominante/dominado, a cultura é apropriada pela classe dominante, que tenta segrega-la ou fazer dela instrumento de dominação. A desigualdade social manifesta-se então na divisão entre cultura erudita e cultura popular, a primeira utilizada como aparato de diferenciação de uma elite e a outra definida como manifestação espontânea e inferior. Daí o sentido consolidado de cultura como sinônimo de uma posição intelectualmente elevada, em geral ocupada por aqueles de posição também economicamente superior.
Essa segregação das “duas culturas” naturalmente é sintoma de uma sociedade desagregada e pautada pela injustiça como critério geral das relações sociais. Uma sociedade, portanto, eticamente “desorganizada”, em que a cidadania passa a ter um significado abstrato e instrumental. Abstrato porque não é vivido comunitariamente; e instrumental porque é utilizado como cooptação nos momentos em que as democracias formais necessitam do comparecimento dos “cidadãos” às urnas para legitimar o mecanismo de reprodução do poder.
Uma experiência real de cidadania só pode acontecer no âmbito de uma comunidade real, aquela que faz uma experiência efetiva de si mesma e da sua cultura, e em que todos os cidadãos tenham a oportunidade de se reconhecerem como participantes ativos da vida cultural, entendida como um processo de afirmação e emancipação dos indivíduos e da comunidade. Nesse sentido e principalmente em nosso país, cidadania cultural é um projeto cuja realização se situa no horizonte de uma luta a ser travada em vários níveis e por diferentes tipos de movimentos sociais que têm em comum a contestação da segregação, da desigualdade e da injustiça.
Os laços criados nesse tipo de militância fortalecem a expectativas de uma experiência cultural alicerçada nos critérios de cidadania e comunidade, porque a cultura viva se alimenta de relações dinâmicas que se dão entre essas duas instâncias. Nesse sentido, a inclusão social, desde que não seja patrocinada pelas elites mas que revele as autênticas aspirações das comunidades, deve ser considerada uma das mais legítimas reinvindicações de resgate histórico e de justiça social.
Um artigo de: Prof. Dr. Franklin Leopoldo e Silva
Professor Titular do Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Hunanas da Universidade de São Paulo.
sábado, 20 de junho de 2009
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